A outra metade do céu
Introdução
Na década de 1950, após a vitória da Revolução e da formação da nove República Popular da China, o Presidente Mao Zedong conseguiu difundir uma palavra-de-ordem tão conseguida quanto generosamente expressiva: «as mulheres representam metade do Céu». 1 Hoje, para um historiador profissional, torna-se difícil precisar rigorosamente a cronologia desta frase célebre agitada milhões de vezes, mas é possível ligá-la com intimidade a um longo caminho de combate das mulheres chinesas contra uma milenar opressão social, económica e simbólica. Actualmente, seria também fácil convocar muitas outras dezenas de sonantes declarações de dirigentes políticos dos mais diferentes quadrantes e geografias que, no último meio século, foram dirigindo renovada atenção para o «mundo» feminino também transformado em campo decisivo de mobilização política e eleitoral. Algumas mulheres – ainda poucas, é certo – conseguiram mesmo alcançar os mais altos lugares das governações e administrações políticas, afigurando-se também progressivamente mais abundante o número de mulheres instalado nas direcções de grandes empresas e organizações económicas. Uma constelação de mudanças sociais que tem, pelo menos, o valor de um símbolo largamente frequentado: a luta pela igualdade dos géneros fixou-se para ficar nas ordens dos direitos nacionais e expandiu-se definitivamente nas movimentações sociais internacionais. Apesar de existir uma diferença importante entre declarações, direitos constitucionais e humanos que se foram inscrevendo na ordem interna e externa da maior parte dos actuais .1dos-nações e a situação real, quotidiana, de promoção social, política e cultural das mulheres, estes desenvolvimentos chegaram aos diferentes campos das ciências sociais e da história.
Não é, assim, muito difícil recensear agora uma imensa colecção de títulos e autores abraçando com ampla consagração editorial e académica também os temas longamente esquecidos na história das mulheres. Histórias gerais e especializadas têm vindo, nas últimas três décadas, a mobilizar regularmente estudos e capítulos devotados, ainda que por vezes timidamente ou por simples razões de «moda», ao passado dos segmentos femininos, tendo-se assim publicado algumas interessantes e muito vendidas histórias das mulheres.;, No entanto, uma leitura mais atenta destas obras muitas rapidamente esclarece o seu comprometimento maior sobretudo com a história das mulheres «ocidentais», da Europa aos Estados Unidos da América, sendo muito menor a atenção por esse outro feminino que ajudou a erguer as sociedades e culturas históricas em espaços «orientais». Nestas áreas, arrolam-se menos títulos especializados e escassos ternários de investigação,3 uma situação correndo, afinal, em paralelo com a profunda exploração e inferioridade sociais que muitos milhões de mulheres continuam a sentir nos vários territórios sociais e políticos asiáticos.
A história das mulheres em Macau mostra-se, infelizmente, um campo por cultivar. Exceptuando alguns fragmentários artigos e referências, muito pouco documentados e não isentos de prejuízos ideológicos, a acompanhar neste estudo, a história das mulheres que se foram fixando, trabalhando e colaborando na edificação da complexa sociedade macaense não tem vindo a suscitar qualquer atenção científica séria. Por isso, a história das mulheres e, mais generalizadamente, os estudos de género aguardam reconhecimento académico e investimentos científicos originais. Trata-se de uma lacuna a inscrever no interior de um problema ainda mais geral. A história social de Macau constitui também um domínio de estudo largamente por especializar, mais ainda quando se procura reconstruir e interpretar a circulação de crianças, jovens e mulheres que, de origem fundamentalmente chinesa e asiática, em profunda situação de subalternidade e exploração sociais, foram concorrendo quase paradoxalmente para a sobrevivência de uma presença política, económica, cultural e simbólica que se reivindicava «portuguesa».
No território macaense, distinguindo-se do que se passava em outros espaços coloniais lusos, como Goa ou o Brasil, a presença de mulheres europeias é praticamente inexistente ou muito fragmentária até quase finais do século XIX, período em que o estado central começa sistematicamente a funcionalizar e a assalariar as longínquas administrações, contingentes militares e burocracias coloniais. Em rigor, a presença social portuguesa nos diferentes enclaves asiáticos que se organizavam sob a tutela políticoinstitucional do chamado «Estado da Índia», da África Oriental a Timor, não mobilizava mulheres vindas directamente da Europa, descontados alguns exemplos, aventuras e esforços de circulação de orfãs oriundas de Portugal,
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